MEMÓRIA HISTÓRICA, FINALIDADE E SIGNIFICADO
DOS
INTERECLESIAIS DE CEBs
1. Os intereclesiais nasceram com a finalidade de partilhar as
experiências, a vida, as reflexões que se faziam nas comunidades eclesiais de
base ou sobre elas. Esta partilha se fez de dois modos. Antes do Intereclesial,
pediu-se às CEBs que mandassem para o Secretariado que organizava o
Intereclesial relatórios sobre a vida de sua própria comunidade. Assim
receberam-se centenas de relatórios. Alguns foram publicados no SEDOC, outros
se encontram em forma de manuscrito. Além disso, durante os Encontros o momento
da partilha narrativa tornou-se ponto fundamental. Contavam-se em grupo ou em
plenário muitas experiências no campo da liturgia, da catequese, da organização
interna, da luta social e política. Os relatos dos sofrimentos, perseguições,
torturas, martírio de muitos membros das comunidades serviram como motivo de
animação na fé mas também de aprendizado de defesa contra a repressão.
2. A partir destas partilhas, detectavam-se
as dificuldades, os pontos positivos, as esperanças, os sinais de vida, as
ameaças, os problemas práticos e teóricos. Convidavam-se então as CEBs a que
continuassem refletindo sobre estas questões e pedia-se aos assessores que as
trabalhassem de modo mais profundo, teológico, sociológico, quer como ajuda às
próprias comunidades, quer para criar uma consciência eclesial mais ampla sobre
tal realidade.
3. A partir dessas duas finalidades surgiram
os primeiros trabalhos teológicos mais profundos sobre as CEBs, iniciando uma
verdadeira eclesiologia latino-americana. Basta compulsar os artigos saídos em
SEDOC, REB, Notícias da Arquidiocese de Goiânia, e em outras revistas de outras
igrejas cristãs.
4. Devido à situação do regime militar e de
repressão às forças e movimentos populares, onde os militares incluíam as CEBs,
a temática da fé e política, a análise da conjuntura política e econômica foram
temas importantes de estudo sobretudo durante os primeiros Intereclesiais. O
número de participantes dos primeiros permitiram ainda um estudo relativamente
aprofundado em que membros das CEBs, agentes de pastoral, assessores e bispos
podiam trabalhar a questão sob diversos ângulos.
5. Especialmente a partir do Encontro de
Trindade, em que o número de participante já alcançava proporções maiores, o
caráter celebrativo, sempre presente nos anteriores, assume relevância maior e
quase dominante. Continuam os momentos de intercâmbio de experiências em grupo
e em plenários, os trabalhos em grupo para aprofundamento da temática central e
os relatórios em sucessivos plenários com participação dos assessores. Os
Intereclesiais transformam-se em gigantescos momentos de celebração da fé e da
vida das comunidades, em excelente escola de liturgia popular para os presentes
e para as comunidades. Os regionais encarregaram-se das grandes liturgias.
Vinham já preparados de suas regiões e manifestavam para todos a vivência
litúrgica de suas regiões e comunidades.
6. Os
Intereclesiais criaram um intervalo de tempo entre eles de modo que o tempo
imediatamente subsequente ao Intereclesial se transformou em momento de
assimilação do que se tratou lá. Depois que se inicia a preparação do novo Intereclesial,
começa-se a estudar novo tema. Nesse sentido, os Intereclesiais são marcos
referenciais para estudos nas comunidades e regiões, indicando-lhes a temática.
7. Os Intereclesiais têm a finalidade importante de animar as
CEBs, dar-lhes uma consciência mais explícita de sua própria caminhada. Lá onde
elas labutam, pequenas e frágeis, podem sentir-se isoladas e desanimar. Os
Intereclesiais revelam para os participantes e pelas informações, notícias,
vídeos a muitas CEBs que se trata de enorme rede de CEBs. Pertencem-se
mutuamente. Isso anima-as, reforça-lhes a consciência, a esperança e o
entusiasmo. Em termos sociológicos, é uma estrutura de apoio, um "aparelho
de conversa" maravilhoso de reforço da consciência de eclesialidade das pequenas
CEBs.
8. Nos anos da repressão, os encontros
foram momentos importantes para a tomada de consciência das perseguições e para
também umas aprenderem da experiência das outras no suportar e defender-se em
tais situações.
9. No final dos Intereclesiais, publica-se abundante material das
discussões dos grupos, dos relatórios dos plenários, de resoluções de grupos e
propostas eventualmente aprovadas em plenários que servem como sugestão e marco
orientador para a vida e agir das comunidades, ainda que nada disso tenha
caráter vinculante ou oficial, nem significa a aprovação de todos os presentes.
Sem dúvida, de alguns deles, sobretudo dos primeiros, surgiram linhas
convergentes de reflexão e ação.
10 Os Intereclesiais oferecem excelente ocasião para que bispos e
assessores ouçam a voz simples do povo fora de seu contexto mais restrito de
diocese ou de ação pastoral. Há um falar mais amplo, diversificado e rico das
comunidades de base que ajuda muito o bispo e o teólogo no seu mister pastoral
e até mesmo acadêmico.
11. Dos Intereclesiais emergiu a feição de nossa Igreja, animada
por tantas comunidades eclesiais de base e marcada pela opção pelos pobres.
Esta imagem de Igreja tem possibilitado à própria Igreja institucional uma
tomada de consciência mais ampla de toda a realidade eclesial e a confecção de
documentos corajosos e proféticos.
12. Os Intereclesiais foram modificando sua dinâmica à medida que
a presença das bases mais simples se tornava maior em relação ao número de
assessores, clero, religiosos e agentes de pastoral. A voz dos fiéis mais
simples se tornou mais clara de modo que se pode assim perceber melhor a vida
interna das comunidades. Há uma "tomada de palavra" das bases da
Igreja que até então exerciam papel mais passivo e dependente do clero e
agentes de pastoral letrados. Em muitos momentos, foi uma palavra
crítico-profética e de testemunho martirial muito rica para o conjunto de toda
a Igreja.
13. Os Intereclesiais propiciam uma experiência eclesial única e
muito enriquecedora, apesar ou até mesmo por causa de seus momentos de
sofrimento e tensões. Revelam com maior clareza para muitos a terrível situação
de sofrimento de nosso povo pobre. Manifestam também com que profundidade se
vive nas bases da Igreja a relação entre fé e política. Servem de uma
"lente de aumento" do que acontece em miniatura nas CEBs.
14. Os Intereclesiais mantêm o elo vivo entre as comunidades ao
longo de todo o país pelo seu caráter geográfico tão amplo e ao longo dos anos
pela sua periodicidade. Fazem a função de um condensador que capta as energias
dispersas ao longo dos anos e do gigantesco espaço nacional, concentra-as nos
poucos dias e irradia-as para os anos seguintes e para espaços ainda mais
amplos. Os Intereclesiais conseguem praticamente envolver quase todas as
igrejas particulares do país. Além disso, eles cumprem a finalidade de ser
memória viva da caminhada de nossa Igreja. A partir deles, historiadores futuros
poderão recuperar muito da trajetória concreta da vida de nossa Igreja num dos
seus tecidos mais vivos.
15. Os próprios
Intereclesiais servem de excelente exercício pedagógico-pastoral para nós
todos: lideranças da base, agentes de pastoral, assessores e bispos. As
práticas, que se desenrolam durante o Encontro, treinam a todos nós sob vários
aspectos: saber liderar, organizar, ouvir, calar, deixar-se questionar e
enriquecer pelo diferente, dialogar, exercer atitudes democráticas, partilhar
mutuamente da vida um do outro, polir arestas, etc.
16. Os Intereclesiais têm significado exercício privilegiado da
prática ecumênica. Isso tem acontecido desde o início. E ultimamente se colocou
a difícil prática de convivência com formas muito diferentes de inculturação
cristã (indígena e negra) e da dupla prática religiosa de alguns de seus
membros.
17. Os Intereclesiais têm propiciado a criação de uma consciência
latino-americana com a presença de representantes de muitos países do
Continente. Esta amplia-se ainda mais pela presença de membros de Igrejas de
outros continentes. Com isso, rompe-se visão estreita e local de Igreja.
18. O reforço da dimensão libertadora da Igreja e sua pastoral se
dá por ser um encontro de comunidades de base, constituída fundamentalmente de
pobres e pelo narrar de seus sofrimentos e lutas.
J. B. Libanio
Até
agora, foram realizados doze encontros intereclesiais. Em 2013, acontecerá o
13º encontro em Juazeiro do Norte, diocese do Crato, no Ceará de 11 a 15 de
julho.
1º Intereclesial.
A locomotiva que puxa o trem das CEBs vem lá de Vitória, Espírito Santo, com o
primeiro Intereclesial realizado entre os dias 6 e 8 de Janeiro de 1975. O tema
era: ‘Uma Igreja que nasce do povo pelo Espírito de Deus’. Dele
participaram 70 pessoas, representantes de 11 Dioceses. Aí se refletiu de modo
especial a importância da participação.
2º Intereclesial.
Logo no ano seguinte, 1976, o primeiro vagão era engatado na locomotiva, com o
segundo Intereclesial, também em Vitória, Espírito Santo. Ocorrido de 29 de
julho a 1º de agosto, propunha o tema: ‘Igreja, povo que caminha’.
Contou com 100 participantes. No processo de nova consciência socioeclesial, o
evento favoreceu a compreensão de que a fé não pode ser separada da vida, e que
a Palavra de Deus se revela na história do povo.
3º Intereclesial.
Dois anos depois, com o engate do segundo vagão, ao qual se sucederá a anexação
de muitos outros que comporão o trem das CEBs, o processo é confirmado e
consolidado, desta vez em João Pessoa, Paraíba, de 19 a 23 de julho de 1978,
com o tema: ‘Igreja, povo que liberta’. Nele, 200 pessoas se fizeram
presentes. Em relação aos encontros anteriores, houve uma significativa
mudança. Grande parte da assembleia era constituída de gente simples.
Assessores e bispos colocavam-se no lugar de ouvintes da palavra dos pobres e
pequenos, de sua história e paixão, de seus sonhos e esperanças.
4º Intereclesial.
Aconteceu em Itaici, São Paulo, de 20 a 24 de abril de 1981, com o tema: ‘Igreja,
povo oprimido que se organiza para a libertação’. O vagão é maior para
comportar 300 participantes. Aí se estabeleceu que, em razão de sua identidade
religiosa, as CEBs não podem se transformar em células partidárias, porém, elas
não devem deixar de lado a educação política. As CEBs devem ser o lugar de
vivência, aprofundamento e celebração da fé, mas também o lugar onde se
confrontam vida e prática com a palavra de Deus, no sentido de se verificar a
coerência da ação política com o projeto de Deus.
5º Intereclesial.
A viagem prossegue para Canindé, Ceará, onde, de 4 a 8 de julho de 1983,
aprofundou-se o tema: ‘Igreja, povo unido, semente de uma nova sociedade’.
Desta vez, já eram 500 presentes, inclusive com representantes de outros países
da América Latina. A reflexão central do encontro girou em torno da luta por
uma nova sociedade, na qual as CEBs encontram a razão última de todo o seu
empenho na motivação evangélica que une fé e vida, compromisso cristão e luta
pela justiça.
6º Intereclesial.
Chegamos a Trindade – ‘a melhor comunidade’ –, Goiás, para celebrar, de 21 a 25
de julho de 1986, a esperança inspirados no tema: ‘CEBs, Povo de Deus em
busca da Terra Prometida’. Este vagão estava abarrotado, intercultural e
ecumênico! 1647 participantes, incluindo representantes dos povos indígenas e
igrejas evangélicas. Entre as temáticas do encontro, destacam-se: o estatuto
eclesiológico das CEBs; CEBs e política partidária; a especificidade da luta
das mulheres, negros e indígenas; e, por ultimo, a questão latinoamericana e o
ecumenismo.
7º Intereclesial.
Nosso trem faz sua parada na Baixada Fluminense, Duque de Caxias, Rio de
Janeiro. Entre 10 e 14 de julho de 1989, nos debruçamos sobre o tema: ‘Povo
de Deus na América Latina a caminho da libertação’. 2500 pessoas lotavam o
vagão. Três questões específicas estiveram na base da reflexão: a situação da
América Latina; a relação entre fé e libertação; e, a eclesialidade das CEBs e
sua dimensão ecumênica.
8º Intereclesial.
Foi a vez de Santa Maria, Rio Grande do Sul, de 8 a 12 de setembro de 1992, com
o tema: ‘Povo de Deus renascendo das culturas oprimidas’. 2.800
participantes. O trabalho foi dividido em blocos por temas: Índios, negros,
migrantes, trabalhadores e mulheres. Uma experiência inovadora de evangelização
a partir dos povos e culturas oprimidas que não ocorreu sem momentos de fortes
dificuldade e tensões. Sobretudo do bloco dos negros e mulheres vieram as
reivindicações mais desafiadoras.
9º Intereclesial.
Dirigimo-nos a São Luiz, Maranhão, onde, de 15 a 19 de Julho de 1997,
celebramos as ‘CEBs: Vida e esperança nas massas’. Aqui também o número
de presentes era de 2.800. O Tema foi subdividido em seis eixos, formando a
base do trabalho nos blocos temáticos, sendo eles: CEBs e catolicismo popular;
CEBs: excluídos e movimento popular; CEBs e religiões afro; CEBs e
pentecostalismo; CEBs e cultura de massa; CEBs e a questão indígena.
10º Intereclesial.
No ano 2000, o trem partiu para Ilhéus, Bahia, lá permanecendo entre os dias 11
e 15 de Julho, com o tema: ‘CEBs: Povo de Deus, 2000 anos de caminhada’.
Os participantes já passam de 3000. É lembrado aqui o sonho de Jesus e a vida
de comunidade assumida por seus seguidores de ontem e hoje. O encontro celebrou
e avaliou os 500 anos de evangelização no Brasil e os 25 anos dos
Intereclesiais, através da temática: CEBs: Memória e Caminhada, sonho e
compromisso. Tudo isso para celebrar, avaliar e abrir novos horizontes para que
um dia possamos colher os frutos da justiça, da partilha, da igualdade, da
ternura, do carinho e da festa.
11º Intereclesial.
O trem vem trazendo para Minas ‘todo o povo brasileiro’, que celebra em
Ipatinga, de 19 a 23 de julho de 2005, o 11º encontro. 3.600 pessoas no vagão!
O tema abordado é: ‘CEBs, Espiritualidade Libertadora, e o lema:
'Seguir Jesus no compromisso com os excluídos’. O encontro foi elaborado a
partir de seis eixos temáticos que se subdividiram em seis temas específicos:
CEBs e a espiritualidade Libertadora; CEBs, a dignidade humana e promoção da
cidadania, CEBs e a formação de um novo sujeito; CEBs e a construção de outro
mundo possível; CEBs e a via campesina, CEBs e a educação libertadora.
12º Intereclesial.
À luz do tema: ‘CEBs, Ecologia e Missão’, e do lema ‘Do ventre da
terra, o grito que vem da Amazônia’, a cidade de Porto Velho, Rondônia,
acolheu o trem para o 12° Intereclesial, nos dias 21 a 25 de julho de 2009. A
ênfase do encontro recaiu sobre os grandes desafios lançados pela
desestabilização do planeta, colocando em risco a vida humana e ecológica.
Responder ao grito que vem da Amazônia implicará, então, no esforço
perseverante e permanente das Igrejas na defesa da vida para todos e para tudo.
13º Intereclesial.
De Porto Velho, o trem das CEBs segue, agora, para Juazeiro do Norte, no Ceará,
onde se celebrará o 13º Intereclesial, de 7 a 11 de janeiro de 2014,
com o tema: ‘Justiça e profecia a serviço da vida’, e lema: ‘CEBs,
Romeiras do Reino no campo e na cidade’.
Fontes:
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