sexta-feira, 31 de julho de 2015

Minha história em Santa Cruz de La Sierra – Bolívia

Por Adelaide Maria Klein*


Ao atender uma ligação de um grande amigo, Waldir, me convidando para o Encontro dos Movimentos Populares na Bolívia, não poderia jamais imaginar que resultaria numa experiência tão marcante quanto esta vivida durante os dias 5 a 12 de julho. Encontrar com os Movimentos Populares da América Latina, Movimento dos Sem Terra, Pequenos Agricultores, Mov. Atingidos por Barragens, Mov. de Mulheres Camponesas, Via Campesina, Levante da Juventude, Comunidades Eclesiais de Base, Trabalhadores e Trabalhadoras de Artesanato, Recuperação de Fábricas, Movimento Nacional de Luta por Moradia, Quilombolas, Grupos Indígenas, entre outros tantos. Encontrar um indígena Presidente da República Plurinacional da Bolívia, Evo Morales, e encontrar o Papa Francisco, um papa que depois de muito tempo se identifica com os pobres, com os excluídos, devolvendo-lhes a esperança, motivando-os e reforçando a fé num Deus libertador, o “Deus (que) ouviu o clamor de seu povo”, reforçando a “fé revolucionária”!!!

Antes ainda de relatar a minha experiência durante estes dias, não posso deixar de agradecer a solidariedade de amigos e amiga, irmãos e irmã, de perto e de longe que ajudaram a possibilitar financeiramente esta participação.

Foi encantador iniciarmos esta longa jornada de ônibus e ver a diversidade e a riqueza de pessoas e representações. Alguns já se conheciam, mas a maioria não. Uniam-nos os objetivos tão comuns, as mesmas dores por estarmos vivendo aqui no Brasil um retrocesso na conjuntura política, social, mas também os mesmos sonhos de que a nossa força e organização podem construir um outro mundo possível.

Por ser uma viagem longa, por dificuldades de várias ordens, fomos nos superando e solidarizando ainda no caminho, quando um companheiro e uma companheira não puderam entrar na Bolívia, por problemas na documentação, assim permanecendo em Corumbá- MS até a nossa volta.
Ainda no ônibus, ao distribuirmos o material resultado do I Encontro Mundial de Movimentos Populares em outubro de 2014, descobrimos que um dos presentes, o Rodrigo do Levante Popular da Juventude, havia participado deste.



Por conta de alguns encaminhamentos, ou a falta destes, chegamos com um dia de atraso na Bolívia, perdendo a abertura e o primeiro dia de trabalhos (dia 7). Chegamos quase às 3:00h, horário da Bolívia, na escola que nos alojou, Módulo Educativo Humberto Vasquez Machado. Lá nos aguardavam com a janta e para nos encaminhar aos quartos e salas.

O tema do Encontro – Madre Tierra, Techo, Trabajo, Integración de los Pueblos – já nos instigava por si só, pois reunia todas as mazelas da humanidade.

Chegar ao Coliseu (um dos muitos ginásios de esportes) e ver tanta diversidade de povos, etnias, cores e movimentos, ver os olhos de tanta gente brilharem e se motivarem a cada colocação que nos contemplava, mas que também nos desafiava a lutar sempre mais. Em vários momentos, as denúncias de violações de Direitos nos chocavam. Aprendemos também sobre a importância da coca para o povo Boliviano, que a todo momento nos oferecia bons punhados da folhinha, assim como nós gaúchos e gaúchas oferecemos o nosso melhor chimarrão para quem chega ao nosso encontro, para sair revigorado em mais uma andança ou caminhada. Descobrir o significado da linda bandeira colorida, quadriculada a Whiphala, as sete cores, perfeição…. fiquei maravilhada! As trocas de experiências com movimentos de outras regiões e países, ver o povo campesino falar com paixão da terra e do que se produz nela, ou o que está matando a terra e nossa gente.  Nos trabalhos de grupos, levantar as necessidades para as mudanças que são urgentes, o clamor por reforma e repartição das terras, o cuidado com a água que está acabando, os transgênicos que precisam ser barrados, os agrotóxicos que matam toda a vida do planeta, a terra que precisa ser vista muito mais que terra para plantar, para nos pertencer, uma terra que deve ser vista como parte essencial nossa, pois nós é que pertencemos a ela (nunca mais me esquecerei disso). A grande expectativa era absorver todas as contribuições e necessidades para entregar o documento ao Papa Francisco, que embora seja uma das maiores autoridades religiosas do mundo, em nossos sentimentos, era o “Chiquinho”, um de nós, um dos nossos!!! Mas um dos nossos que se dispôs a construir com o povo simples, trabalhador, organizado, que consegue ser criativo e achar soluções e saídas para as necessidades, que são tantas, para que todos e todas tenham vida digna, na sociedade do “Bem Viver”!!!

Por vários momentos a emoção tomou conta de mim ao ver aquelas fileiras de povos nas ruas, que caminhavam com esperança, com gritos de ordem, com canções que animavam e encorajavam a luta e a caminhada para o encontro com o Papa Francisco!!!

A expectativa do encontro com o Papa é algo inexplicável. Por tudo o que ele representa, é diferente de tudo… porque ali tem uma esperança real, uma identificação diferente de outras, uma autoridade que se coloca a serviço, se coloca com os pequenos…. Bem, o povo tentou se atropelar para chegar ao papa, tocá-lo, cumprimentá-lo…. e ele sempre generoso, sorridente, maravilhoso.

As falas do presidente Evo Morales, um estadista muito querido pelo povo boliviano, foram muito aplaudidas, especialmente quando disse: “Aqui na Bolívia Gringo não vem mandar, aqui na Bolívia quem manda são os índios!!!!”

Mas, diante das falas do Papa Francisco ali na Expocruz, meus pensamentos se voltavam ao nosso querido Brasil, ao nosso povo, às nossas comunidades. Tantos problemas, tantas dificuldades, a fase cruel de luta de classes que está fortemente instalada no Brasil, a situação política social que vem num retrocesso de perda de Direitos, as políticas de estado que não têm priorizado e trabalhado para o povo. Lembrei das nossas Comunidades Eclesiais de Base e fiquei pensando se não era necessário fazer acontecer um grande sínodo, mas muito grande, com todo o clero, para absorver nas falas e na prática as mudanças necessárias e tudo o que implica em uma cultura de paz, uma cultura do “Bem Viver” aos cristãos e cristãs!!!

Por várias vezes Francisco repetiu a necessidade de não haver “Ninguna familia sem Techo, Ningún Campesino sin Tierra, Ningún Trabajador sin Derechos”. E a nossa realidade é tão dura… Por isso, muita luta e organização nos aguardam!!!

Saio de Santa Cruz de La Sierra com uma certeza: a Divina Ruah continua soprando o seu Espirito, a sua luz. Onde e quando a gente não sabe, não vê, nada sabe, possibilitando que a “ Fé Revolucionária” e a Esperança renasçam e se fortaleçam sempre!!!

*Adelaide Maria Klein [no centro] faz parte do Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, CEBs e Movimentos Populares. Foi convidada a representar estas entidades no encontro dos Movimentos Populares com o Papa.

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